Voto n°:25163
Apel. n°: 0220375-64.2002.8.26.0100
COMARCA: São Paulo
Responsabilidade civil contratual Contratos de representação comercial e distribuição Celebração verbal Cláusula de exclusividade.
1. A distinção entre representação comercial e
distribuição dá-se, preponderantemente, do seguinte
modo: na representação comercial o representante ou
agente desempenha sua função sem ter a
disponibilidade dos bens ou coisas negociadas, agindo
em nome e por conta da representada, a quem
simplesmente apresenta os pedidos feitos pelos clientes,
pelo serviço recebendo comissão; enquanto que na
distribuição o distribuidor dispõe dos bens, por tê-los
adquirido junto à outra parte, o distribuído,
revendendo-os aos interessados finais, obtendo lucro
pela diferença entre os valores de compra e de revenda.
2. O enquadramento da relação na figura contratual
típica da representação comercial ou da distribuição
não depende da concepção a respeito manifestada por
testemunhas, mas do modo como efetivamente foi executada.
3. A cláusula de exclusividade, em contrato de distribuição, deve ser cabalmente demonstrada pelo autor, até em razão de não ser de praxe no comércio ser pactuada verbalmente.
Ação improcedente. Recursos de agravos retidos e apelação não providos.
Trata-se de apelação contra sentença de improcedência de ação de indenização fundada em contratos de representação comercial e distribuição.
A autora-apelante primeiramente reitera seus agravos
retidos de fls. 798/803, 585/586 e 588/589, interpostos, o primeiro contra a
decisão por meio da qual a MM. Juíza declarou preclusa a oitiva de duas
testemunhas, o segundo e o terceiro contra decisões por meio das quais
ela rejeitou contradita de testemunhas. Aduz que a primeira decisão
cerceou seu direito de defesa, pois havia peticionado ao juízo deprecado a
expedição de ofício ao Tribunal Regional Eleitoral para obtenção de
informação sobre o paradeiro das testemunhas, tendo ele, porém,
considerando ser competente para tanto o juízo deprecante. Tendo
retornado ao processo a carta precatória, competia ao juízo decidir sobre
aquele pedido, o que, entretanto, não fez, optando por declarar a preclusão
da prova diante de certidão quanto à não indicação dos endereços atuais
das testemunhas. Quanto às duas outras decisões argumenta que as
testemunhas não podiam depor sob compromisso, pois eram as
responsáveis diretas pela quebra da exclusividade da representação
comercial, promovendo a comercialização dos produtos diretamente aos
clientes ou por meio de outras representantes concorrentes. Relativamente
ao mérito, insiste ter havido dois contratos verbais, sendo um de
representação e outro de distribuição, não se excluindo, porém, a idéia de
um único e atípico contrato envolvendo cláusulas próprias da
representação e da distribuição. A seguir, salienta o caráter exclusivo da
representação, demonstrado por documentos e depoimentos testemunhais,
ressalvando que o fato de haver representado também outras empresas
não significou, de sua parte, quebra de exclusividade, uma vez que essas
outras empresas produziam artigos diversos dos fabricados pela ré.
Salienta que a ré quebrou a cláusula de exclusividade, vendendo seus
produtos diretamente ou através de outras representantes, reportando-se
às provas documentais e testemunhais. Pondera que a imposição de
compra de estoque pela ré é matéria incontroversa sendo cabível, pois, a
respectiva indenização.
Recurso bem processado, com preparo e resposta.
É o relatório.
Os agravos retidos não vingam.
O primeiro porque, estando a carta precatória nos
autos, sem os depoimentos das testemunhas, porque não encontradas pelo
juízo deprecado, houve intimação da agravante para que apresentasse os
novos endereços, sob pena de preclusão da prova (fl. 731). Não tendo ela
se manifestado, o juízo houve por bem declarar a preclusão. A agravante
argumenta que aguardava a apreciação de seu pedido de expedição de
ofício ao Tribunal Regional Eleitoral, para obtenção de informação sobre o
paradeiro das testemunhas, pedido esse formulado perante o juízo
deprecado, que, então, se dera por incompetente, por isso não tendo se
manifestado diante de referido despacho. Esse argumento não merece,
porém, acolhida, pois era ônus seu esclarecer os endereços das
testemunhas antes arroladas, descabendo tal diligência de expedição de
ofício, implicitamente repelida pela magistrada. Era-lhe facultado, diante do
não-conhecimento do paradeiro de tais testemunhas, solicitar sua
substituição por outras, conforme previsão do art. 408, III, do Código de
Processo Civil, mas assim não agiu..
O segundo e o terceiro agravos, relativos ao
indeferimento de contradita às testemunhas, não procedem porque elas
declararam ausência de interesse no litígio, a despeito de sua relação de
emprego com a ré. Como bem salientado pela magistrada, “só o fato da
testemunha ser funcionário da empresa não a torna suspeita de depor,
especialmente quando os fatos controvertidos dizem respeito a situações
que apenas aqueles que trabalham na empresa teriam condições de
esclarecer”. A circunstância referida pela agravante, quanto a essas
testemunhas terem atuado ativamente no que seria a quebra da
exclusividade da representação comercial objeto do litígio, não era
suficiente para o acolhimento da contradita, mormente diante do teor das
declarações por elas então apresentadas, no sentido de que não tinham
qualquer interesse no resultado do processo ou tampouco temor de que
eventual resultado negativo à empresa lhes pudesse acarretar prejuízo no
ambiente de trabalho. Não havia, pois, motivo sério que pudesse convencer
a MM. Juíza quanto à necessidade de dispensa dessas testemunhas ou de
colheita suas informações com reserva, sem o compromisso legal de dizer
a verdade. Importa considerar, outrossim, que essas não eram as únicas
provas requeridas. Bem ao contrário, outras testemunhas haviam sido
arroladas por ambas as partes e existiam elementos documentais nos
autos, de modo que tudo seria afinal valorado para o efeito de deslinde da controvérsia.
Afastadas essas questões de natureza processual,
passa-se à análise do recurso de apelação.
A autora sustenta ter havido contrato verbal de
representação comercial, que acabou extinto por sua própria iniciativa, em
razão do inadimplemento por parte da ré, caracterizado este pela quebra do
caráter da exclusividade. Pleiteia as seguintes verbas indenizatórias: 1/12
sobre as retribuições percebidas durante toda a relação jurídica;
remuneração decorrente da quebra da exclusividade, apurável na forma de
percentual sobre as vendas feitas diretamente pela ré ou através de outras
representantes; recompra, pela ré, do estoque de mercadoria relacionado
ao contrato. Vincula as duas primeiras verbas à Lei 4.886/65, que dispõe
sobre a representação comercial, e a terceira à chamada “Lei Ferrari” (Lei
6.729/79).
Para melhor compreensão da matéria controvertida,
convém estabelecer os conceitos dos contratos de representação
comercial ou agência e de distribuição.
Anota-se que a relação jurídica em questão foi criada
antes do atual Código Civil, que regula tais contratos nos arts. 710 a 721.
O conceito de representação comercial é dado pelo art.
1° da Lei n° 4.886/65, nestes termos: “Exerce a representação comercial
autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego,
que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais
pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando
propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou
não atos relacionados com a execução dos negócios”.
Conforme o art. 710 do atual Código Civil, “pelo
contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem
vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra,
mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona
determinada”.
Por outro lado, segundo Venosa, com remissão a
Ghersi, distribuição pode ser conceituada como “o contrato pelo qual uma
das partes, denominada distribuidor, se obriga a adquirir da outra parte,
denominada distribuído, mercadorias geralmente de consumo, para sua
posterior colocação no mercado, por conta e risco próprio, estipulando-se
como contraprestação um valor ou margem de revenda”.1
A distinção entre os dois tipos de contrato dá-se, preponderantemente, do seguinte modo: na representação comercial o representante ou agente desempenha sua função sem ter a disponibilidade dos bens ou coisas negociadas, agindo em nome e por conta da
representada, a quem simplesmente apresenta os pedidos feitos pelos
clientes, recebendo pelos serviços o que se chama “comissão”; enquanto
que na distribuição o distribuidor dispõe dos bens, por tê-los adquirido junto
à outra parte, o distribuído, obtendo lucro pela diferença entre os preços de
compra e de revenda.
Dados esses conceitos, observa-se que a subsunção da relação jurídica discutida neste processo à figura contratual típica é necessária, mesmo porque a representação comercial conta com tratamento legal específico, cuja aplicação é pretendida pela autora;
enquanto a distribuição não tinha disciplina própria até o surgimento do Código Civil de 2002.
As partes consideraram esses conceitos. Mas a autora argumenta que, embora tenha adquirido os bens da ré, para revendê-los a terceiros, isso ocorreu mediante circunstâncias especiais, características da representação. Sua remuneração, correspondente à comissão, revelava-se
1
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, Ed. Atlas, São Paulo, 7ª ed, 2007, p. 300.
pelo desconto nos preços dos produtos, constante em tabela própria.
Não é correto afirmar, entretanto, que o desconto no
preço do produto corresponda à comissão, que é típica do contrato de
representação comercial. Diversamente, sua finalidade é de viabilizar a
revenda, possibilitando lucro ao revendedor.
A representação comercial tem, como visto, conotações
bem nítidas, destacando-se o aspecto da intermediação. O representante
não realiza negócio com o terceiro interessado na aquisição da mercadoria.
Quem o faz é a representada, por seu intermédio. Sua função é obter o
pedido e o repassar à representada, por esse trabalho recebendo a
comissão.
Não importa, portanto, para o enquadramento da relação à figura contratual típica da representação comercial o nome figurado em documentos esparsos, emitidos pelas partes. Também não relevam informações a respeito prestadas por testemunhas. Apenas se
devem considerar as circunstâncias efetivas que envolveram essa relação.
No caso, não há elementos que possibilitem o enquadramento do contrato no conceito da representação comercial. A autora confessa que sua atividade consistia na compra de mercadoria perante a ré, para revenda aos interessados finais. A ressalva que faz,
quanto a ter recebido remuneração por meio de desconto no preço, o que,
segundo seu entendimento, representava comissão, não é de ser aceita
para o fim de enquadramento da relação negocial na figura contratual
típica, dados os conceitos bem delineados da representação comercial e da
distribuição. Também não autorizam conclusão sobre representação
comercial os documentos de fls. 147 e 148, consistentes em cópias de
duas duplicatas sacadas pela autora contra a ré, no ano de 1995, a título de
prestação de serviços, com anotação sobre comissões e nos valores de
R$153,94 e R$106,12, pois se tratam de elementos isolados e destoantes
do procedimento adotado entre as partes durante todo o tempo de
execução do contrato, consistente, como dito, em venda e compra de
mercadoria, para o fim de revenda, pela autora, aos seus clientes.
Pode-se reconhecer, isto sim, o contrato de
distribuição, visto que a autora comprava a mercadoria da ré, que os
fabricava, revendendo-a no mercado, mediante preço livre ou mesmo de
tabela, obtendo o lucro pela diferença entre o preço de compra e o de
revenda.
Assim sendo, não cabem as verbas indenizatórias
pleiteadas com base na Lei 4.886/65.
Em tese, seria cabível indenização em virtude de inadimplemento da ré diante do contrato de distribuição, pela quebra da cláusula de exclusividade. Embora não houvesse no ordenamento jurídico, antes do Código Civil de 2002, a figura típica do contrato de distribuição, a verdade é que essa modalidade de relação jurídica era corriqueiramente
estabelecida entre os agentes do comércio. E seu inadimplemento, por
significar ilícito contratual, sempre ensejou reparação em favor da parte inocente.
Mas nem mesmo isso se mostra viável no presente caso, em que se vislumbra o enquadramento da relação no conceito de distribuição, em razão de não ser possível concluir, com base nas provas produzidas, sobre a existência da cláusula de exclusividade.
Cláusula como essa haveria de constar de contrato
escrito, para que a seu respeito não remanescesse dúvida.
Tendo sido verbal o contrato, tal cláusula haveria de ser
cabalmente demonstrada pela autora, também pelo motivo de não ser da
praxe no comércio estabelecê-la por esse modo informal.
Os documentos emitidos pela ré mencionam a
existência da distribuição e o seu âmbito territorial. Nada dizem, porém,
sobre a exclusividade, não excluindo a possibilidade de ela própria
comercializar os produtos de sua fabricação diretamente aos interessados
finais ou mesmo por meio de outros revendedores.
E os depoimentos testemunhais, que foram bem analisados na sentença, servem, em seu conjunto, ao afastamento da idéia de exclusividade, sendo relevante aquele prestado pela testemunha Arlindo Tavares, que atua como distribuidor da ré, no sentido de que “a
exclusividade que a gente tem é uma parceria onde ela não vende na
nossa região, a Vedabras nunca vendeu direto e se vender sou avisado sempre”.
Não reconhecida a cláusula de exclusividade, concluí-se que, ao vender seus produtos diretamente ou por meio de outras empresas, a ré não descumpriu o contrato verbal mantido com a autora, não havendo razão, assim, para que responda por qualquer tipo de
indenização, nem mesmo a relativa à recompra do estoque. Aliás, quanto a
esta verba, não seria cabível a aplicação analógica da Lei Ferrari, que é
específica do mercado de distribuição de veículos automotores. Conforme o
precedente do Superior Tribunal de Justiça, referido na sentença, “Não é
possível a aplicação analógica das disposições contidas na Lei 6.729/79 à
hipótese de contrato de distribuição de bebidas, dado o grau de
particularidade de referida norma, que desce a minúcias na estipulação das
obrigações do concedente e das concessionárias de veículos, além de
restringir de forma bastante grave a liberdade das partes. Precedentes”.
(Resp. 654.408/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 4ª Turma, j.
09/02/2010, DJe 14/09/2010).
Ante o exposto, nega-se provimento aos recursos, para
que subsista a respeitável sentença da EMINENTE MAGISTRADA
MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA P. NOGUEIRA, por seus próprios e
jurídicos fundamentos.
ITAMAR GAINO
Relator
Maria da
Glória Perez Delgado Sanches
Membro
Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de
Arraial do Cabo, RJ.
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